VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Raul de novo, e novamente o Nova

Eu juro que queria escrever sobre Cachoeira, Gilmar Mendes e outros fatos recentes que têm afrontado nossa dignidade e inteligência, mas diante de águas tão sujas eu decidi pensar como Raul e fui fazer o que eu gosto. Ontem, então, eu revi Raul: o início, o fim e o meio, e saí da sessão gostando não só ainda mais de Raul como do filme em si mesmo, no qual prestei um pouco mais de atenção: à montagem excelente, com sua concepção “musical”, que orienta a alternância e a sequência das entrevistas e dos registros propriamente musicais, e também aos pequenos mas belíssimos eventos realizados em seu curso (por exemplo, a audição de uma carta-gravação de Raul, já em fim de estrada, para as filhas, e que pelo visto não havia chegado até elas).

Mas também prestei mais atenção ao final, para a beleza do reencontro de Raul com um Paulo Coelho no auge da fama de “escritor” promovida por Marcelo Nova, para as palavras de Caetano em defesa do mesmo Nova (e as que encerram o filme: “Raul, as pessoas não morrem”), enfim, para o espírito conciliatório com que esse final é conduzido, em consonância, mesmo, com a relativa tranquilidade que parece ter marcado a própria morte de Raul.

Saí dessa segunda sessão com autoestima elevada, beirando a arrogância (o que me obriguei a tentar corrigir), mais tocado pela beleza e pela força de Raul, sua música e mesmo a complexa mas afinal bonita teia de relações à sua volta.

Pena que muito poucas pessoas, aqui em Campo Grande, tenham visto o filme, que saiu de cartaz ontem mesmo. O que seria compreensível levando em conta o perfil crescentemente evangélico da população da cidade, mas que, por outro lado, destoa um pouco da “cena roqueira” de que a cidade se orgulha. É que quem ouve – e toca, às vezes bem – rock inglês julga Raul superado. Eu, embora tenha vivido minha adolescência nos anos 80, nunca entendi isso. Quer dizer, entendi mas nunca aceitei, e talvez por isso respeite tanto o Marcelo Nova, mesmo gostando bem menos, hoje, de suas canções.

A propósito, meu colega e amigo Paulo Edir sugeriu que “Lena”, do Camisa de Vênus, pode ter alguma relação com Lena Coutinho, a última companheira, digamos, quase oficial (porque o filme também sugere... ora bolas, vejam o filme!) de Raul. Não sei se essa relação é possível, mas, em todo caso, o próprio Raul compôs uma “Lena”.

Seja como for, “Lena” é uma das belas canções do disco Batalhões de estranhos, que eu já tive a honra de possuir, e autografado pelo próprio Nova ao final do mesmo show em que eu comprei o disco (e o Viva!, com a mais sórdida “Sílvia”), de um cara que queria comprar o então novo CD do ex-vocalista do Camisa. Como eu também queria esse CD mas havia ficado quase sem dinheiro, pedi um desconto ao próprio Nova, e consegui. Três pechinchas e três autógrafos (todos perdidos, agora): glórias bobas de tiete... Mas tudo bem, no fundo até Raul foi tiete, mesmo à distância – de Elvis, é claro.

Então fica aí, à guisa de aperitivo, a bela “Lena”, com sua bela letra, sua bela melodia e seu refrão sofrível e cheio de gás... E também a “Lena” do próprio Raul, que eu acabei de descobrir. E pra quem acha Marcelo Nova e o Camisa de Vênus muito misóginos, deixo também a mais sublime “Deusa da minha cama”, do também excelente Duplo sentido; o mesmo álbum duplo, aliás, que contém a primeira parceria de Raul com o Camisa e Marcelo, “Muita estrela, pouca constelação”, que também fica aí, digamos, à guisa de sobremesa, e em homenagem não aos english rockers bigfieldenses, mas a meus “velhos” amigos de Corumbá Lúcio e Nandinho, que um dia brilharam cantando essa canção em plena Avenida General Rondon – um encarnando o Nova e o outro Raul. Não lembro se o saudoso Siqueira (ou Cerqueira) ainda estava na batera. Mas, enfim... toca Camisa!!! E toca Raul!!!!!!





E já que alguém falou em Cachoeira, pobre topônimo ofendido, eu fico mesmo é com a Água viva  de Raul (e don Paulete), com erro de concordância e tudo.

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