VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

The Strokes e o futuro do rock: ângulos da "questão"

Angles, o quarto álbum dos Strokes, já saiu há quase um ano, mas a minha demora em comentar esse "lançamento" de março de 2011 se explica: primeiro, demorei a saber dele, o que só aconteceu graças ao blog do Leandro Blamires, irmão de meu amigo Danbla; segundo, minhas primeiras audições dele não me permitiram formar um juízo equilibrado. Na verdade, aconteceu como numa velha tirinha do Garfield em que ele come uma gelatina com salsichas: a boca gostou mas o estômago ficou pensando.

Ou melhor: a primeira impressão foi de deslumbramento, a segunda de desconfiança e a terceira de confusão. Então achei melhor dar um tempo e só voltar a ouvir o disco algum tempo depois, o que só fiz há algumas semanas.

O que acontece com Angles e, principlamente, o que aconteceu comigo? Acho que mais ou menos o que aconteceu com boa parte dos ouvintes, por exemplo os que escreveram esses posts no Omelete e no Whiplash!: excesso de conceitualismo e, principalmente, superexpectativa menos musical que "de gênero".

O fato de os Strokes terem sido uma das poucas bandas pop (ou "indie") com sonoridade garagem e, ao mesmo tempo, força criativa a alcançar status mainstream nos últimos anos a fez depositária de uma expectativa que vira e mexe reaparece, como uma frieira intermitente: a de que seriam eles que iriam "salvar o rock". Aí começam as inquirições mais disparatadas. Isso soa como anos 80 ou 70? Isso é indie ou é pop? Arranjo eletrônico pode? E bossa nova, pode? Enfim, isso ainda é capaz de "salvar o rock"?

Todas essas questões são passíveis de questionamento (sic), a começar pela mais genérica delas: quem disse que o rock precisa ser salvo? Há períodos em que o rock ganha mais espaço na mídia, em outros perde. A "preocupação", no Brasil, é com o funk e o sertanejo, mas pouca gente nota que as versões contemporâneas desses gêneros devem muito ao rock: vide os solos de guitarras no "sertanejo universitário" e as letras acintosas, às vezes para além do sexismo, no "funk carioca". E como distinguir exatamente os anos 80 dos 70 ou o indie do pop? Esses períodos e esses conceitos são coisas complexas, e que se imbricam.

É verdade que Angles já não transpira a paixão juvenil (e, às vezes, a afetação pós-adolescente) de Is this it (2001) e Room on fire (2003). Mas seria mesmo estranho ouvir Julian Casablancas, aos 33 anos, iniciar um disco berrando a plenos pulmões: "I wanna be forgotten, and I don't wanna be reminded!!!" ("What Ever Happened?").

E, no entanto, minha impressão final é que Angles equaciona de forma mais consequente os problemas que surgiram com a busca de diversificação sonora do terceiro disco, First impressions of Earth, do já distante 2006. Este, à parte canções excepcionais, como "You only live once", me soa como uma grande barafúndia (na verdade, preciso confessar que nunca consegui ouvi-lo direito). Mesmo o hit citado, uma evidente tentativa de soar como Beatles - a canção é mesmo belíssima, o arranjo excelente, a voz de Casablancas perfeita em suas inflexões paulmccarteynianas - demonstra como os Strokes estavam insatisfeitos com a pele de Strokes.

Em Angles os Strokes voltam a soar como The Strokes: menos rápidos e viscerais, é verdade, mas ainda básicos e melodiosos. Ainda simples mas um pouco mais sofisticados. Ainda "rockers" mas também reaggers e newbossers (sic). Quanto ao flerte com a música eletrônica, para mim nada mais natural: a característica mais marcante das baquetas do brasileiro Fabrizio Moretti é justamente uma batida veloz e tão seca e precisa que soa, por vezes - principalmente em Room on fire -, como uma bateria eletrônica, embora altamente suingada.

Mas todo esse conceitualismo de araque obscurece o principal: é um disco belíssimo, com canções belíssimas. Nem todas colam como chiclete, como parece que gostaria Ricardo Seelig (que, no entanto, acaba reconhecendo que quase todas são boas...) na matéria do Whiplahs!, mas todas têm qualidade melódica, rítimica e harmônica para figurar em um bom disco dos Strokes. Para não citar os vários "acertos" reconhecidos por Seelig, confira o leitor a pop bossa "Call me back", que, segundo ele, "é uma composição totalmente esquecível, que vai do nada para lugar nenhum", e a operística "Metabolism" (que teria "boas guitarras, e só isso"), na qual Moretti participa como compositor e, claro, arrebenta na batera.

No fim das contas, portanto, meu muito obrigado ao Leandro pela dica que me proporcionou toda essa confusão e experiência sonora!

3 comentários:

  1. O nome da banda deveria ser The Escroques. "Salvadores do rock" - kkkkkkkk. Foi mais uma tentativa da gravadora - furada - de, via mídia, para criar novos "ídolos" e vender bastante. Ao que parece a força criativa da banda era limitada... bem limitada aliás... Para a história do rock, The Strokes terem existindo ou não parece não fazer muita diferença... Me lembro de uma matéria quando do lançamento do primeiro disco: eram os novos Beatles que estavam surgindo!!! A renovação no Rock. Hoje vemos que era tudo balela...

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  2. Bom, vou tentar responder esse comentário de uma forma decente. Primeiro, não acho que os Strokes sejam os novos Beatles. Primeiro porque "ser os Beatles" não é fácil pra banda nenhuma, porque os Beatles foram, antes de mais nada, uma reunião de dois compositores que se afinavam como poucos, além de outros dois músicos (sendo pelo menos um deles outro bom compositor) que os serviam como perfeição, o que aliás eles mesmos faziam como instrumentistas. Segundo, porque "ser Beatles" é quase impossível para qualquer banda pop contemporânea, num contexto em que os projetos pessoais se sobrepõem muito facilmente aos coletivos. Os Beatles fizeram uma carrada de discos excepcionais em praticamente dez anos, o que exigiu um grau de envolvimento e compromisso que hoje não existe nas bandas profissionais. Falta também, é claro, um novo George Martin... Mas nada disso desmente o fato de que os Strokes fizeram pelo menos dois discos excelentes, com uma qualidade que se aproxima, sim, da qualidade dos Beatles, e de que ainda Angles é um bom disco.

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  3. Música boa a gente reconhece na hora. Os "Strokes" são, para mim, componentes de um rock de VANGUARDA nestes nossos tempos de repetição.
    Desde o lançamento de "You Live Only Once", Reptilia (uma baita d'uma música), Last Nite até as mais novas do álbum "Angles" como "Taken for a fool" e "Under Cover of Darkness" a banda demonstra muito fôlego criativo e faz um rock honestíssimo.
    Eu, como ouvinte e apreciador (fã é uma palavra meio tosca), considero essas críticas fundamentadas num criticismo barato da mercadologia como a do primeiro comentário, no mínimo, infantis.
    "The Strokes" não são, nem de longe, uma banda vendida. Essas propagandas de "promessa de não-sei-o-que" não partem da banda, em definitivo.
    E aliás, não é seguro falar de uma banda que está produzindo há menos de 15 anos (ainda que com fôlego), e tentá-los enquadrar ou não na tal História do Rock, que pra mim, é mais chato que ler a bíblia.

    Abraço.

    Gustavo Gracioli

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