VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O poder e a glória da farofa

Tenho explicitado em público a minha contenda com o ator hollywoodiano Nicolas Cage. Ele, certa vez, comprou cinco Iates; eu apenas comi farofa. Ele adquiriu uma Ilha no Caribe; se eu viajo, como farofa. Ele se tornou dono de um Castelo e de uma Casa Mal-Assombrada. Deus me livre: eu quero apenas morar num lugar que me dê farofa.

Além disso, talvez eufórica e narcisicamente, perdido e transloucado com a dinheirama que ganhou por meio de sua participação nas películas comerciais de Hollywood, entrou numa disputa com Leonardo di Capri para tomar posse, num leilão, de um Crânio de Dinossauro. Eu apenas peço a minha mãe que, aos domingos, faça farofa. Ah: não se faz farofa com Crânio de Dinossauro.

Nicolas Cage anda depressivo e triste, pois faliu. Caiu dos castelos para os paralelepípedos com a mesma velocidade que tinha subido.  Já não é convidado para protagonizar os filmes de grandes bilheterias. Ao contrário, os meus amigos andam me prestigiando: me convidam para comer farofa. Diferente dele, ando alegre, entusiasmado, contente.

Ninguém sabe ao certo a origem da farofa. Sabe-se que é uma invenção brasileira. Por certo teve a contribuição indígena com a mandioca; e a dos negros da Senzala com o uso dos restos de porco da Casa Grande. Sabe-se que, como o Brasil, como o seu povo, como  a sua música e a como a sua alma, a farofa é feita na mistura, na transformação do pathos em ethos. Nas fendas e na criatividade. É resistência e arte.

Mas a importância da farofa é o que ela ensina o mais essencial para a vida do ser humano: a simplicidade. E fora da simplicidade, como disse Weill, não há paz. Ou como quis o poeta Gabriel Nascente para o qual nada é perfeito. O que se aproxima da perfeição é o que é simples. A farofa é simples, por isso profunda.

No meu caso considero a farofa um luxo: pelo seu sabor vou às origens étnicas do povo brasileiro; pela sua simplicidade enfrento o consumismo e o mercado; pela mistura em que é feita aprendo que não preciso ser idolatrado, nem ser fechado em mim mesmo. Pela alegria de degustá-la com amigos supero  a força competitiva do dinheiro.

Em síntese: comendo farofa e desejando comê-la não vou falir nem ficar depressivo. Comer farofa é um modo que possuo de enfrentar o império e a sua superficialidade. De reforçar a mente e de ajustá-la às minhas condições originais e primazes.

Desta feita, farofa é ciência, política e educação: cruzo o canto de Elis com Macunaíma de Andrade; junto Chica da Silva com Buarque; boto Garrincha como tempero ao lado de Machado. Pixinguinha e Cora. É muito saboroso. E como aprendiz da farofa devo dizer: só acredito na arte, na arte com suor.

Eguimar Chaveiro - Professor de Geografia da Universidade Estadual de Goiás e  membro da ATLECA - Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes

Nicholas Cage, louco
pra comer farofa
* * *
P.S. - Esse primeiro post de Eguimar Chaveiro merece alguns complementos. Primeiro, eu me sinto obrigado, por questões de princípios, a indicar uma boa receita de farofa vegetariana, especialmente dedicada ao meu amigo Eberaldo. Segundo, como o próprio Eguimar sugere, a farofa está muito incorporada à música brasileira para que não constem, aqui, pelo menos alguns desses "pratos":

"Inteligência é fundamental"
"Moro no Brasil", com Farofa Carioca

"Farofa-fa", com Mauro Celso

"Farofa-fa", com Humberto Effe


"O mestre-sala dos mares", com Elis Regina



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