VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Sim, a ignorância é vizinha da maldade

Um exemplo do que eu disse no penúltimo parágrafo (ou primeiro acréscimo) do post anterior:

"A mistura de raças em países como o Brasil resultou em “altos níveis de corrupção, baixa produtividade e conflitos entre as diferentes culturas” para Anders Behring Breivik, o norueguês que assumiu a autoria dos atentados em Oslo. A observação está presente no manifesto “A European Declaration of Independence – 2083” (Uma declaração de Independência Europeia - 2083) – atribuído a Breivik e divulgado na internet horas antes do massacre na Noruega."

O título dessa matéria do yahoo (leia aqui), que certamente suscitará tantas discordâncias quanto concordâncias dos leitores, é "Para atirador da Noruega, mistura de raças do Brasil é 'catastrófica'", e a ela não se segue nenhuma avaliação crítica. Ilustrando-a, vemos o "atirador" fazendo mira com uma arma de alto poder de destruição sob um fundo branco, fundindo-se portanto ao fundo da matéria, num conluio mais do que sintomático.  A "reportagem" ainda contém expressões francamente elogiosas ao "manifesto", como "a declaração" e "cheio de referências históricas", e se permite até transcrever um "conselho" de Breivik: "Seja extremamente cuidadoso quando lidar com material radiológico". Quanto zelo, diria um incauto chegado na Terra neste instante.

Esse tratamento no mínimo displicente - e no limite conivente, para não dizer bajulatório - diante de gestos e ideias atrozes deveria envergonhar qualquer jornalismo, mesmo o mais apressado ou marrom. Ele torna o título do meu post anterior mais sério e menos pessoal do que eu imaginava quando o escrevi.

Eu pensei em corrigir Renato Russo, que cito no título deste: a ignorância é vizinha do fascismo. Mas que isto fique registrado assim, em letras menores, seja porque nada disso é para trocadilhos de qualquer espécie, seja porque alardear a estupidez que viceja nos atos humanos não é a melhor forma de combatê-la. Permitam-me, no entanto, insistir nessa triste verdade: o fascismo anda à solta. Resguardemo-nos dele, em nossos atos, palavras e sentimentos.

Acréscimo em 26/07: Alguém popderia me perguntar como fica o "caso Juan" nisso tudo. Eu responderia com outra pergunta, mais uma vez citando Renato Russo: "Qual é a diferença?" A falta de um "programa"? O número de vítimas (mas também de executores) da covardia extrema? A diferença, no caso, é que esse tipo de "ação" se tornou comum demais e eu me esqueci dela. Aliás, o verso que antecede aquela interrogação (numa canção sobre o fascínio da violência) é "Nós assistimos televisão também". Há muito tempo isso tudo já foi longe demais, e não se desenha nenhum horizonte concreto para além disso.

Quero acrecentar outra coisa: no outro post eu me referi a "motivações racialistas" para explicar a complacência da mídia com as "ideias"de Breivik, mas é claro que há outras elementos envolvidos, inclusive nosso conhecido complexo de infeioridade frente aos "países desenvolvidos". Há um post neste blog, sobre outra questão, mas que toca diretamente nesse assunto.

2 comentários:

  1. Sim, Ravel, o fascismo e demais facções ultraconservadoras andam à solta e, pior, são divulgadas pela internet e pela imprensa fascistóide, significando, com isto, que há público para tal. O engraçado (desculpe-me a palavra "engraçado", pois não há graça nenhuma nisto), é que nesses dias eu reli o texto "O que significa elaborar o passado" de Adorno, em que ele fala dos efeitos maléficos do "esquecimento" do holocausto e da pesença do neonazismo... Devemos trazer à tona o nosso passado histórico monstruoso para lutarmos contra as condições atuais que são propícias a tais manifestações. E Adorno não estava mais do que certo?

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  2. Pois é, Ana, vc sabe que eu sempre fui muito mais simpático a Benjamin ou Marcuse do que a Adorno, mas parece que quanto mais pessimista se é, mais chance se tem de ser realista... E eu acabei de fazer umacréscimo, no post, sobre umesquecimento pessoal. Mas isso que vc fala sobre trazer à tona o horror do "passado" (o passado é uma presença-ausência) é fundamental, inclusive em termos pedagógicos. Encarar isso de frente é a única forma de se opor aos mascaramentos e às leviandades da deseducação midiática.
    Obrigado e um abraço,
    Ravel.

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