VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Ambientalismo, colonialismo e desenvolvimentismo (sobre o código florestal e a pressão externa)

Muitos argumentam que o ambientalismo é uma nova forma de colonialismo. De certa forma têm razão, pois os argumentos, os fundos e a ideologia vêm, normalmente, do exterior. Dizem também que países que devastaram seus próprios ambientes naturais não têm moral alguma para criticar o Brasil e outros países que ainda mantêm boa parte de sua cobertura vegetal preservada. Novamente estão certos. O problema é que, a partir dessas duas verdades bem expostas, chegam a uma conclusão falsa: já que os outros países, os desenvolvidos, destruíram o ambiente para crescerem economicamente, nós também temos o direito de fazer o mesmo. É aí que está o erro.

A partir desse raciocínio estabelecem um lógica dual: quem for contrário a esse modelo de desenvolvimento está a favor dos interesses externos que querem impedir o desenvolvimento do Brasil. Ora, o mundo não é tão simples assim. Primeiro, há várias formas de enxergar o desenvolvimento. Segundo, há diversos atores no cenário nacional que são ao mesmo tempo contra o colonialismo e a degradação ambiental. Pensemos, por exemplo, nos conceitos sobre o “viver bem” presentes em muitos culturas indígenas. Entendem que o país pode se desenvolver de outras formas e que a lógica econômica não deve ditar a linha de todas as ações humanas. Afinal, existe algo além da economia.

A chave do problema está justamente na mentalidade colonial ainda muito presente em nossa sociedade. Sérgio Buarque de Holanda tinha razão quando apontou a inércia e a preguiça como traços fundamentais da formação do Brasil. Olhamos para os países desenvolvidos e queremos ser como eles, usar as suas roupas, falar sua língua, aplicar os seus modelos, sem levar em conta as nossas próprias características. É uma imitação rasteira. Um exemplo típico disso são as roupas dos executivos: ternos e gravatas engomados num calor de mais de 40°C realmente faz todo sentido!

Queremos imitar inclusive as maiores idiotices desses países, como a devastação ambiental e até mesmo o imperialismo! Esquecemos, contudo, que nunca seremos os Estados Unidos ou a Holanda, pelo mesmo e simples motivo que eu não serei o George Bush ou o chefe da Igreja Ortodoxa. Somos diferentes na essência e na história. Os próprios renascentistas já tinham percebido a especificidade de cada época e lugar, a especificidade de cada indivíduo. Ora, se é assim, porque insistimos em copiar modelos? Até quando tentaremos ser a Nova Europa? Quando pararemos de querer construir o velho mundo nesse nosso já não tão novo?

Pois bem, os próprios herdeiros dessa mentalidade colonial, os ruralistas, querem agora acusar os que pensam diferente deles de colonialistas. Sérgio Buarque de Holanda, novamente ele, mostrou também como os senhores de engenho se tornaram os novos fazendeiros que, por sua vez, se tornaram os agro-empresários de hoje. Ora, são eles os herdeiros dos privilégios de classe, são herdeiros da espoliação feita aos índios, são eles os que mantêm o estado paternalista e que defendem formas arcaicas de organização social e política para manter seu poder. São eles os herdeiros dos lucros do trabalho escravo, presente ainda hoje em muitas fazendas. E, por fim, são eles que plantam a soja, a cana e criam o gado para atender sobretudo os interesses externos.

Este último ponto merece destaque. Para onde vai a soja plantada? Para onde vai a carne? Sem dúvida não é para a mesa dos brasileiros. Vejam as estatísticas de exportação e as notícias dos jornais. O agronegócio, muitas vezes controlado pelo capital estrangeiro, está de costas para o país. Está interessado no mercado externo, no preço das commodities, e não se importa em ver boa parte da população brasileira ainda na miséria. Ao contrário, quando os miseráveis tentam reclamar, jagunços neles. Procurem saber sobre a violência no campo, é alarmante. Em muitos lugares o Brasil é ainda terra de ninguém, quem manda é o coronel. Sim, esse nome fatídico ainda está presente na vida de muitas pessoas.

O agronegócio é responsável por boa parte da devastação das grandes áreas de vegetação nativa do Brasil. O que é isso? Nada mais é do que a transferência do impacto ambiental. Os europeus querem carne, os chineses querem soja, os estadunidenses querem etanol. Só não querem os enormes impactos ambientais causados por esses cultivos. Imagine só se quantificássemos os danos e cobrássemos por isso? A pecuária brasileira, por exemplo, seria a atividade mais inviável do planeta: tem produtividade baixíssima e consome uma quantidade inimaginável de recursos.

Se fosse para o desenvolvimento do país, se fosse para que as pessoas melhorassem de vida, isso poderia se justificar. Mas o agronegócio gera poucos empregos se comparado em proporção com a agricultura familiar e mesmo com atividades industriais. Além disso promove concentração de terra e riqueza, não considera as necessidades estratégicas do país (como a conservação da água e da biodiversidade) e impede o desenvolvimento de outras formas de produção, tanto através da violência quanto de lobbies. Emperra também o estudo e o aproveitamento da grande biodiversidade brasileira, pois mantém a mentalidade colonial de que o mato é para ser posto abaixo.

Justamente o agronegócio de exportação é que mantém o Brasil quase como uma colônia no cenário mundial. É a velha história repetida tantas vezes, exportamos produtos de pouco valor agregado e importamos outros de muito. Vale a pena? Vale a pena diminuir as áreas de proteção, as matas ciliares – causando assim o assoreamento dos rios? Vale a pena jogar fora boa parte de nossa biodiversidade ainda desconhecida para atender interesses externos e de um poucos barões daqui de dentro?

Não queremos ser colônia nem precisamos imitar as metrópoles. Podemos sim buscar alternativas, criar o nosso modelo, para atender os interesses da nossa população. Queremos um modelo mais equitativo, em que necessidades básicas, como o acesso à água e à comida, a uma moradia digna, sejam atendidas antes de pensarmos em servir outras mesas, cuja fartura foi obtida através da nossa exploração. Não devemos defender o ambiente por causa de pressões externas. Nesse sentido não importam o WWF, o Greenpeace e a opinião pública internacional! É por nós mesmos que fazemos isso.

Geraldo Witeze Junior

8 comentários:

  1. Geraldo, muito obrigado pelo texto. Fabiana, minha querida amiga, muito obrigado por extraí-lo do Geraldo :). Acho que vocês não se ofenderão se eu disser que esse texto é, de certa forma, a resposta que eu queria mas não tive tempo de dar ao penúltimo post do Sebastião (creio que devo dizer isso, inclusive, em nome do respeito e a amizade que nutro pelo Tião, a quem as discordâncias talvez um pouco acentuadas ultimamente não impedem que eu continue tomando, querendo e sentindo com um verdadeiro irmão, espiritual e, cada vez me convenço mais, biológico mesmo, porque é um grande fratricídio o que temos praticado entre nós, incluindo aí, a meu ver, nossos irmãos e irmãs plantas e bichos. Não consigo me orgulhar de nenhum humanismo que despreze isso como uma tolice. Em todo caso, não é este foco ("sentimental", se quiserem) o privilegiado pelo bem embasado texto do Geraldo. De um ponto de vista "estritamente" socioeconômico ele traz elementos suficientes para uma reflexão e, quem sabe, uma tomada de posição séria a respeito dessas questões fulcrais.

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  2. Discordo apenas de um ponto. Trabalhamos muito, não temos preguiça. Trabalhamos, inclusive para enriquecer a Europa e os Estados Unidos. A mão de obra é nossa, o lucro é deles. Nos falta muito mais liderança comprometida em não espoliar o país pra se dar bem do que trabalho ou dignidade. O Machado já afirmava que o povo é bom e digno, a elite é um lixo. A elite que se diz intelectual e discute os rumos do país, inclusive. Basta ver o servilismo voluntário da academia ao pt e ao psdb, mesmo diante de tantas denuncias de corrupção.


    Dani

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  3. Oi, Ravel e pessoal: tudo bem criticar o ambientalismo, mas precisamos também criticar o comunismo/nacionalismo a serviço do capital de Aldo Rebelo et caterva, que a meu ver é grande praga da democracia brasileira.

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  4. Oi, Lucio, oi, Dani(ela?).
    Concordo com ambos. Só acho, Dani, que o Geraldo se refere principalmente ao comodismo de nossos elites, inclusive a dita intelectual. Assunto, aliás, que vc domina.
    Abraços e obrigado por prestigiar o blog...

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  5. Salve Irmãos Críticos!

    Obrigado Ravel pelas palavras de amizade e carinho. Acredito que nossas divergências, que vêm desde a época da nossa militância no DCE da UFMS, ajudam na nossa formação intelectual e humana. Elas formam um autêntico diálogo na busca de esclarecimento dos temas que norteiam nossos trabalhos políticos e acadêmicos. Mesmo irmãos gêmeos,como é o nosso caso, também brigam, discutem, sem, no entanto, perderem o respeito e o carinho um pelo outro. Gostei do texto do Geraldo. Mas creio que ele, você e muitos ambientalistas bem intencionados esquecem-se da luta de classes que determinam praticamente tudo na sociedade capitalista. Sou a favor do que o jornalista Washington Novaes chama de utopia concreta do Xingu. Como Novaes acredito no fracasso do nosso modelo de civilização, baseado no consumo alienado, no desperdício, na criação de necessidades artificiais e na produção destrutiva de mercadorias que se tornam descartáveis com um velocidade assustadora(principalmente a mercadoria força de trabalho). Mas eu pergunto: será que a correlação de forças entre as classes dominantes e as classes trabalhadoras permitem uma mudança do modo de produção semicolonialista, que herdamos da ditadura, e que foi aprofundado pela era neoliberal comandada pelo ex-sociólogo Fernando Henrique Cardoso?

    Um abraço fraterno.

    Sebastião.

    P.S. : Vou escrever um artigo para desenvolver melhor minha visão sobre a “questão ecológica”.

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  6. Salve, Tião, irmão velho de guerra e paz!
    É verdade, nossas brigas fazem parte de nossa fraternidade e nossos crescimentos pessoais - intelectuais e espirituais. E é preciso discutir, mesmo, quando as questões são tão sérias. Espero que pessoas que de alguma forma influem ou venham a influir nessas questões ao menos tomem conhecimento de discussões como essas, e as incorporem como demandas suas.
    De minha, parte, reconheço que a "questão ecológica" com seus imbricamentos sociais é das mais complexas, e que, de fato, qualquer processo de superação dessas estruturas tão enraizadas não pode ser senão lento e complexo, sob pena de ser, simplesmente, catastrófico. Mas, enfim, são esses caminhos que é preciso pensar e construir e criticamente. Nosso blog é um entre outros convites a isso.
    Escreva sim seu artigo, toda discussão inteligente é bem vinda.
    Abraço do mano
    Ravel.

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  7. Oi Dani! Esclareço apenas que a preguiça a que me referi é aquela que o Sérgio Buarque de Holanda explicou em "Raízes do Brasil". A preguiça está no fato de os europeus que aqui chegaram (todos, não apenas os portugueses) não levaram em conta as particularidades do lugar em que estavam, mas quiseram apenas reproduzir a estrutura social que já viviam lá. Tampouco pensaram em técnicas produtivas adaptadas ao lugar. É a preguiça da inércia. E essa preguiça continua, porque nós continuamos reproduzindo a mesma organização social do início da colonização do Brasil. Mas não podemos esquecer que além do colonialismo externo tempos também o colonialismo interno. Este, me parece, é hoje o maior problema. O problema é quando a pessoa colonizada tem ela própria a mentalidade do colonizador. Ou, em outro caso, quando o trabalhador passa a defender os interesses e valores do patrão.

    No caso da questão ambiental, prevalece a ideia de que mato é pra ser posto abaixo, que o desenvolvimento vem com gado e grandes plantações. Isso é preguiça, é inércia. Claro, com grandes doses de má vontade e de interesses financeiros.

    Um abraço,
    Geraldo

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  8. Oi Sebastião!

    Não esqueço da luta de classes, nem um pouco. Concordo com você que o movimento ambientalista esquece, muitas vezes, desse ponto. Isso se deve ao fato de que o discurso ambientalista (e muitos ambientalistas com ele!) foi cooptado pelas forças conservadoras que o transformaram em mais uma fonte de lucro. O ambientalismo é essencialmente anticapitalista. Não é preciso ir muito longe: uma das bandeiras fundamentais são os 3 erres: 1º redução, 2º reuso e 3º reciclagem. Ora, a redução do consumo é totalmente contrária ao modo de produção capitalista, retomando práticas que o velho Marx chamou de "Formações econômicas pré-capitalistas", o que considero um equívoco da parte dele. Poderia ter chamado de "não-capitalistas", pois o pré transmite a ideia, na qual ele acreditava, de um movimento inexorável em relação ao desenvolvimento e expansão do capitalismo. A questão está em que o capital, em sua fluidez e esperteza, adota a parte do discurso que lhe é conveniente: a reciclagem. Com isso transforma o discurso ambientalista na balela que vemos hoje. "Ah, eu faço a minha parte, separo o lixo...". Virou senso comum da classe média.

    Agora se pensarmos em alternativas, devemos sempre considerar a luta de classes. E isso é esquecido pela "esquerda" (???) atual, pois tratam a questão social muitas vezes como questão de consumo. E aí incutem no pobre, no oprimido, o que não precisa ser incutido: a ideia de que ele tem o direito de consumir como o rico. Tudo se resume ao consumo? Isso além de ambientalmente inviável esconde a questão da luta de classes, da exploração. Ora, por que o trabalhador não deve lutar para deter os meios de produção? Por que não difundir a ideia de Marx, que sintetiza a ética do seu socialismo: "Cada um de acordo de acordo com suas possibilidades. A cada um de acordo com suas necessidades"?

    Estudei Marx e também o utopismo. Não sou marxista, apesar de admirar seu pensamento. Acredito que ele contribui para enxergarmos a podridão do capital. Mas deixa de enxergar algumas coisas essenciais, como o direito de os povos não capitalistas manterem sua organização social. Ou seja, Marx também se deslumbrou um pouco com a ideologia do progresso.

    A grande questão é que hoje o desenvolvimento é pensado exclusivamente em bases econômicas, não levando em conta (ou considerando muito pouco) as questões sociais e ambientais, que estão vinculadas.

    Bom, é isso.

    Um abraço, Sebastião. Obrigado pela consideração e pela contriubição!

    Geraldo

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