VIVENCIAL

Viver o cotidiano não exime da tarefa de pensá-lo, como não o faz a prática de experienciar a cultura em suas formas mais acabadas, inclusive naquilo em que nelas se imiscui a chamada vida comum. A proposta deste blog é constituir um espaço de intersecção entre esses campos vivenciais para pessoas que, como nós, têm na reflexão crítica um imperativo para a existência digna do corpo e do espírito – individual e social.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Sacrifícios Humanos e Sociedade Ocidental

A Legitimação da Dominação na Sociedade Ocidental: Lúcifer e a Besta


Toda a história do Ocidente pode-se resumir num lema: a vítima tem a culpa, o vitimador é inocente. O Ocidente é o vitimador do mundo inteiro, um mundo inteiro é sua vítima. Mas, para o Ocidente, o mundo inteiro tem a culpa, ele é um vitimador heróico e inocente.
O sangue que o Ocidente produz não deixa manchas. Derramando esse sangue, têm-se as mãos limpas. A história do Ocidente passa de um genocídio a outro. Colonialismo, racismo, trabalho forçado em todas as suas formas, até por escravidão, aniquilamento de povos e países inteiros, destruição de culturas, extermínios, torturas e desaparecimentos em massa estão onipresentes na história do Ocidente. Todavia, o Ocidente tem as mãos limpas, nenhuma mancha de sangue se vê. Pelo contrário, o Ocidente acusa e denuncia todo o mundo,vigiando pelo respeito aos direitos humanos.

Na recente guerra do Iraque, Hussein sai com as mãos cheias de sangue. Não obstante, o presidente Bush, o general Schwarzkopf e o general Powell, também o primeiro ministro Major e o presidente Mitterand, todos têm as mãos limpas. Não se nota nenhuma mancha de sangue. Provavelmente derramaram mais sangue que o próprio Hussein, mas produziram um sangue que não deixa nenhuma manchas. Estão limpos.
Assisti uma vez na década de 60 no Chile a uma conversa entre alguns atores de teatro sobre o sangue que precisam muitas vezes nas sessões de teatro. Um afirmava ao outro: o melhor sangue é produzido em Hamburgo, na Alemanha. Lava-se só com água e não fica nenhuma mancha.

Todo o sangue que o Ocidente produz é deste tipo. Muitas vezes nem sequer é preciso lavá-lo com água. Simplesmente não se vê.

A história do Ocidente é uma longa sequência de sacrifícios humanos, que parecem ser o contrário do que são. Parecem ser castigos merecidos pelo desrespeito aos direitos humanos da parte de todos os outros. O Ocidente tem uma torre alta, da qual contempla todo o mundo para intervir onde se violam os direitos humanos. Intervém com força, com crueldade infinita, contra todos os que os violam. Nas intervenções que o Ocidente faz desde essa torre, violam-se os direitos humanos como jamais foram violados. Fazem-se guerras que jamais foram feitas; usam-se armas que não se conheciam. O resultado dessas intervenções é sempre, e sem variação, a apropriação das riquezas e dos bens, assim como também da força de trabalho, dos povos invadidos. O Ocidente conquistou o mundo e o está destruindo. No entanto, segundo a imagem que tem de si mesmo, tudo o que fez foi intervir contra os muitos violadores dos direitos humanos no mundo inteiro. A apropriação dos bens destes não passa de recompensa bem merecida por essa obra, a reparação dos danos que estes violadores tinham ocasiondo.

Essa torre de vigia que o Ocidente construiu, e que é mais alta que qualquer torre jamais construída, chega hoje até os céus. Desde essa torre se escuta o grito que faz tremer o mundo: a vítima tem a culpa, o vitimador é inocente.


FRANZ J. HINKELAMMERT, doutor em Economia pela Universidade Livre de Berlim,é nome familiar aos cientistas sociais da América Latina. De 1963 a 1973:professor da Universidade Católica do Chile. De 1973-1976:professor convidado da Universidade Livre de Berlim. De 1978 a 1982:diretor de pós-graduação em Política Econômica da Universidade Autônoma de Honduras. Atualmente coordenador da área de pesquisas do DEI, San José, Costa Rica.

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